segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Mais um dia 20 que se passa...

"Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra em um país em que 70,8% da população que vive em extrema pobreza é negra.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando 60% da população carcerária é negra.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando a chance de um jovem negro ser assassinado é 139% maior que a chance de um jovem branco.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando existe uma política de GENOCÍDIO da população pobre e preta.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando 60,9% das empregadas domésticas são mulheres negras.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando a renda média da mulher negra equivale a 30,5% do que ganha um homem branco.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando no ensino superior brasileiro, independente da faixa etária, apenas 8,9% dos estudantes são negros.
Não há o que festejar no Dia da Consciência Negra quando existe um movimento como as Mães de Maio, lutando por justiça, memória, verdade e contra o terrorismo do Estado."

domingo, 24 de novembro de 2013

Pedido

Passeava por velhas ruelas, entrou numa casa abandonada. Achou uma lâmpada, dessas de filme, que vem com um gênio. Riu, mas resolveu esfregar três vezes, vai que né? E não é que saiu de lá um gênio? Grande, velho e rabugento. Perguntou o que ela queria, um desejo só, e que ela não se demorasse. Ela ficou maravilhada, poderia pedir qualquer coisa? Poderia. 1 milhão de reais? Um magrelo barbudo que a amasse? Imortalidade? A paz mundial? Uma torre de chocolate? Ser a Megan Fox? Sabedoria? Ser integrante de uma banda de rock famosa? Era difícil... estava entre o barbudo e a torre de chocolate quando resolveu pedir um saco sem fundo. O gênio não entendeu, como assim um saco sem fundo? Ela explicou: um saco onde coubessem todas as suas dores, incertezas e medos, pra que ela nunca mais sentisse nada. E que coubesse muito, pro mundo todo se livrar de tudo isso. Ele falou que podia pedir tudo, menos isso. Os sacos estavam em falta desde 1889. Ela então só pediu uma grande garrafa de vodca e passou aquele dia caindo pelos cantos e não sentindo nada além de tontura. Foi um bom dia. 

Hoje é domingo, PEDE cachimbo

Sempre fui assim aos domingos. Quase em todos. Acho que é um problema crônico, sei lá. Eu fico cheia de coisas na cabeça e fico só pensando que pra piorar a segunda tá aí. Uma bosta, eu definiria majestosamente.
Não quero trabalhar, só de pensar fico irritada. Queria dar um rumo pros problemas que ficam martelando na minha cabeça, mas tô com medo de tomar qualquer decisão. E eu já disse que odeio decidir? Pois é...
Saio ou não do trabalho o mais rápido possível? Dou a cara a tapa e encontro meu passado ou não? Por que não sei o que eu quero? Assim fica difícil. E pela primeira vez eu não posso ser impulsiva e fazer qualquer merda que der vontade, tenho que ser, acima de tudo, madura. 
Isso é que deve tá me apavorando. 


segunda-feira, 18 de novembro de 2013



"A vida não imita a arte. Imita um programa ruim de televisão"

Leminski - pra sempre

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Francisca é puta

Assim como se nasce arquiteta, jurista ou artesã, também se nasce puta. Francisca nasceu puta. Mulher. Vadia. Vagabunda. Dada. Puta. Poderia ter escolhido ser dona-de-casa, confeiteira ou até mesmo artista. Mas escolheu ser puta. Gostava de ser a outra. De ser a objeto. De ser a usada. De ser a puta. Gostava de sentir prazer. De falar palavras sujas. De chupar. De dar. De ser puta. Puta. Puta. Puta.
Francisca queria saber o porquê das bonecas não brincarem com bonecos. O porquê de bonecas só poderem brincar de cozinhar e de morar em casinhas. O porquê de meninas só brincarem com bonecas. O porquê de bonecas serem iguais. Padronizadas. Corretas. Bonitas. E ela não ser assim.
Francisca cresceu. E as suas dúvidas, antes infantis, viraram aflições. E as suas vontades e os seus desejos viraram ações. E as bonecas passaram a brincar com bonecos. E Francisca saiu de casa. E deixou mãe, pai, irmão e irmã. E trocou-os pelo outro. Pelo desconhecido. Pelo perigoso. Pelo efêmero. E pela felicidade. E pela completude. E pela satisfação. E abandonou a moral. Os costumes. As definições. E ganhou o olhar torto. O julgamento. O pecado. O fardo. O peso. De estar à margem. De ser o excluído social. O usável. O objeto. O lixo. A mercadoria. A minoria. A sujeira. A puta. E, ainda assim, identificar-se como puta. E reconhecer-se como puta. E declarar-se puta. E chamar-se de puta. Porque Francisca, ao contrário de suas bonecas, é puta.
Puta. Porque saiu de casa. Porque deu. Porque deu para qualquer um. E gostou de dar. Porque seu corpo é um instrumento. Porque seu corpo é uma ferramenta. Porque seu corpo é o que ela quiser. Porque seu corpo pinta. Esculpe. Dança. Encena. Porque seu corpo é arte. E arte não precisa ser bonita. Padronizada. Definida. Precisa ser chocante. Diferente. Impactante. Precisa romper paradigmas. Definições. Preconceitos. Conceitos. Porque a cama é o seu palco. Onde se apresenta. Onde se emociona. Onde se conhece. Onde conhece o outro. Onde goza. Sem nunca ter gozado.
Puta. Porque engravidou. Porque teve filhos. Porque não teve filhos. Porque foi para a rua. E se permitiu ser quem quisesse na rua. Onde viu a catarse. A exaltação. A expressão. Daquilo que não pode ser exposto em casa. Na igreja. No trabalho. E foi Brigitte. E foi Tigresa. E foi Geni. E foi Bruna. E foi Marilyn. E foi Fran. E foi todas elas sem ser ninguém. Porque puta não é gente. Puta não tem nome. Puta é puta. E só.
Puta? Na rua? Vergonha. Desonra. Afronta. Tirem-na daqui. Levem-na daqui. E tiraram. E levaram. E colocaram Francisca, a puta, na masmorra. Porque puta tem que ser presa. Porque puta tem que sofrer. Porque a cidade não precisa de puta. Porque ninguém precisa de puta. Porque ninguém precisa ser puta. Porque ser puta é doença. É loucura. É crime.
Puta. Puta. Puta. E criminosa. E prisioneira. Tirada da rua. Jogada na masmorra. Porque na cadeia se conserta gente-com-defeito. Porque animal vira gente na cadeia. Porque puta aprende a ser gente na cadeia. E, mais do que gente, aprende a ser mulher. Mulher como deveria ser. Como deveria ter aprendido com as bonecas. Como deveria ter aprendido com a mãe. Como deveria ter nascido. Mulher que cozinha. Que varre. Que passa. Que costura. Que é submissa. Que aceita. Que se cala. Que é mulher.
Puta. Puta. Puta. Adapte-se. Ajuste-se. Costure. Isso. Costure. Toma, Francisca. Agulhas. Linha. Pano. Coisa de mulher, Francisca. Vai aprender a ser mulher, Francisca. Essa cadeia vai te dar jeito, Francisca. Vai te consertar, Francisca. Borda. Prega. Costura. Isso vai te ajudar. Vai te transformar. Vai te curar. Vai te fazer normal. Costure, Francisca. Costure. Costure. E Francisca começou a costurar.
Puta. Puta. Isso Francisca, continue. Mais agulhas. Mais linhas. Mais panos. Só lhe resta costurar, Francisca. É o que você pode fazer. É o que você tem que fazer. É o que você é. E Francisca aceitou. E compactuou. E se calou. E Francisca aprendeu a costurar. E costurou pedras. Montanhas. Morcegos. Corujas. Leões. Armas. Bombas. E perdeu parte de si enquanto costurava.
Puta. Mais agulhas. Mais linhas. Mais panos. Mais. Mais. Mais. Costurava. Costurava. Costurava. E costurou flores. Árvores. Frutos. Nuvens. Doces. Borboletas. Pássaros. E uma tigresa. E perdeu ainda mais de si.
Costurou. Costurou. E, enquanto costurava outro mundo, perdeu tudo de si. Francisca perdeu o que a fazia Francisca. O patriarcado e a masmorra a tornaram invisível. Não era costureira. Não era apenas emoção. Não era invisível. Era forte. Era corajosa. Era a frente de seu tempo. Era puta. Mas a padronização reduziu Francisca. Virou um nada. Ficou invisível. Sumiu. Francisca, quantas somem junto com você? Francisca, aonde vocês estão indo? Francisca, que mundo é esse que você costurou? Francisca, lá a Tigresa pode mais do que o Leão? Francisca, lá a Geni ainda é apedrejada? Francisca, lá a Fran não é uma piada? Francisca, lá as Franciscas podem ser putas? Porque, Francisca, aqui ainda tem muitas e muitos ficando invisíveis como você. Porque, Francisca, aqui ainda tem muitas e muitos que querem ser como você. Vadias. Vadios. Vagabundas. Vagabundos. Dadas. Dados. Putas. Putos.

domingo, 10 de novembro de 2013

Quilombelas

Por Sidney de Paula Oliveira

são elas as guerreiras mais belas
as que como zumbi
zombaram dos racistas
não tombaram nas brigas
nas guerras pelas terras
lidas aguerridas da vida

sim, são elas, as guerreiras mais belas

combativas altivas
querem direito de escolha e a escolas
sem escolta, migalhas ou esmolas

sim, irmão, são elas as guerreiras mais belas

as que de forma sumária
cobram demarcação de áreas
as que a dizer têm mais
entoam cantigas ancestrais

sim, são elas as guerreiras mais belas

negras mulheres caras
combatentes raras
as mulheres quilombolas
que não esmorecem
negras são elas
as quilombelas

sábado, 9 de novembro de 2013

Blá-blá-blás e mimimis

Três dias que poderiam ser assunto de três décadas. 
Um coração que tá pesando 90 anos.
Cabeça que tá cheia de minhocas e de complexidades.
Partes de um passado sombrio descobertas. Alguém que surge quando se menos espera. A amiga que me obriga a confessar que já não sou mais como era (na verdade grande parte das minhas relações não é mais a mesma).
Dá vontade de chorar até inundar, ou beber até morrer, ou de morrer até matar todo esse sufoco.
Nada é opção de gente grande, e eu to tentando ser uma.
Pelo menos é sábado e tá sol lá fora, é um bom dia pra abraçar a solidão.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Despedaçada

Ela roubou um pedaço de mim. Ou talvez nunca nem tenha sido meu. Quem sabe não chegou nem a sair da sua barriga. Ela pode ter desejado uma partezinha, já que logo não teria mais nada real pra se agarrar. Já a culpei pela escolha, já me culpei pela existência, já culpei Deus - se é que ele existe. Mas colocar a culpa em alguém adianta? Em algo? Foi a TPM, foi a doença, foi a pressão da sociedade. Ela não vai voltar, eu não vou me (re)construir, ou vou?
Talvez fosse um domingo cinzento e choroso, assim como eu. Ela pode não ter conseguido me calar, se olhar no espelho, ver a cama de casal vazia. Quase dá pra entender, se a mágoa não gritasse mais alto. 
Durou 30 segundos? Cinco minutos? Horas? Foi planejado? No impulso? Teve dor? Só paz? Pouco importa, reconfortaria a alma? Duvido...
Cansei de choros escondidos, lamentações silenciosas, palavras que não saem. Queria saber lidar com o que já passou e com o que bate à minha porta. Mas no fim tudo se resume a essa partezinha podre que você quis deixar em mim. Pra latejar sem piedade, lentamente pra ninguém perceber.
O sentimento, a dor, a imaturidade ainda são os mesmos daquela garotinha de oito anos que começou a entender que a vida era mais do que bonecas. Era feita de mães, pais, avós que partiam. 
Ela roubou um pedaço de mim, resta saber agora se sou capaz de viver sem ele ou não. Quem viveu 19 vive mais 50. Mas só viver não adianta, tenho que preencher esse buraco com muito mundo aí fora.