Mais uma matéria que eu fiz pra faculdade. Essa eu realmente não gostei como as outras que já postei, eu poderia ter feito muito melhor, mas vou colocar aqui do mesmo jeito, porque o assunto mexeu e mexe muito comigo. PUC, ditadura, resistência, luta. Fico arrepiada só de digitar essas palavras, escrever esse artigo foi um arrepio incessante só, do início ao fim.
50 anos do golpe de 64: a ‘’República
Utópica da Monte Alegre’’ vive
As
heranças da ditadura civil-militar que refletem até hoje na PUC-SP
‘’O que eu estava fazendo no momento do
golpe eu não me lembro, porque faz muito tempo, 50 anos. Mas a lembrança que eu
tenho mais forte é o barulho ensurdecedor dos tanques, que passavam deixando marcas
no chão e afundavam o asfalto’’. A fala da socióloga e membro da Comissão da
Verdade da PUC-SP Marijane Lisboa diz respeito à instauração da ditadura
civil-militar, que começou em 1º de abril de
1964 e terminou em 15 de março de 1985. Esse período ainda ecoa
fortemente nas vidas de pessoas que são alvos diários da Polícia Militar (PM),
daqueles/as que foram torturados durante o regime e esperam a condenação dos
militares e das pessoas que carregam a chamada ‘’memória coletiva’’. Todos/as
aqueles/as que passaram pelos corredores da PUC-SP, seja como estudante, seja
como professor(a), sabem que a ditadura ainda resiste. A Universidade, que foi
um símbolo durante aquele regime autoritário e que há dois anos tornou-se
símbolo da quebra da democracia, carrega um peso enorme ao falarmos sobre os 50
anos do golpe civil-militar no Brasil.
A Universidade, que foi fundada em 13 de agosto de
1946, pelo cardeal Dom Carmelo de Vaconcelos Mota, na época da ditadura era
conhecida como a ‘’República Utópica da Monte Alegre’’, segundo o professor do
Departamento de Teologia Jorge Cláudio Noel Ribeiro Júnior. A PUC-SP resistia;
estudantes, professores/as, funcionários/as resistiam. A história da
Universidade pode ser dividida em sete momentos de extrema importância no
cenário político: o ano de intensa mobilização em 1968, a instauração do AI-5,
a invasão da PM, os incêndios no TUCA, a segunda eleição da reitora Nadir Kfouri,
as demissões em massa em 2005 e a eleição fraudada de 2012. Traçar um panorama
em relação a todos estes episódios é essencial para entender os traços
ditatoriais que nos rondam até hoje.
- O ano da mobilização: No ano de 1968, a professora da PUC-SP
Maria Beatriz Costa Abramides, ou apenas Bia Abramides, entrou no curso de Serviço
Social e fazia parte do grêmio, já que na época, os Centros Acadêmicos estavam
expressamente proibidos. Ela conta que o movimento estudantil, espaço de luta e
resistência, era muito forte na Universidade durante a ditadura; os/as
alunos/as se organizavam de forma autônoma, democrática e soberana,
reivindicando pontos imediatos, como qualidade do curso, bolsas de estudos,
ensino laico e gratuito e democracia universitária. Mas também lutavam contra o
regime vigente, contra o imperialismo e pela construção do socialismo - desejavam
um verdadeiro processo revolucionário.
Uma das grandes bandeiras do movimento
estudantil na época foi a contrarreforma do ensino superior, defendida pelo
sistema MEC-USAID, acordo estabelecido com os Estados Unidos, que não passava
de uma tentativa de elitizar as universidades e camuflar as ações da ditadura.
Os/as alunos/as conseguiram barrar de um modo geral esse acordo, que teve os
moldes mudados para ser implantado no Brasil.
Na prática, a Universidade tinha um
Diretório Central dos Estudantes (DCE) livre e autônomo, os/as alunos/as não
acatavam as imposições da ditadura e se recusavam a abandonar a democracia interna.
A UNE (União Nacional dos Estudantes) estava proibida, pois o governo temia a
força estudantil que a entidade viabilizava. Entretanto, cerca de mil
estudantes, inclusive puquianos, se reuniram em Ibiúna (SP), em 68, para
realizar o XXX Congresso da UNE. ‘’Mal começamos e ouvimos tiros para cima, na
hora nos olhamos: a repressão tá aí’’, conta Bia.
‘’Ficamos presos por uns 15 dias, não
dava pra esconder mil alunos/as por muito tempo. Os militares foram até a
PUC-SP tentar descobrir informações nossas, de que grupos fazíamos parte, mas
nossas diretoras eram progressistas e não diziam nada, prezavam pela autonomia
e democracia universitárias’’, completa Bia.
Uma das reivindicações e das lutas
internas dos/as alunos/as, ainda está presente em 2014: a elitização, que se
iniciou na década de 60 e se intensificou em 1971 com a expansão das
universidades privadas no país, não retrocedeu em todos esses anos; a PUC-SP tem
um caráter mercantil, que vai à contramão do molde de educação que
professores/as e estudantes acreditam. Se antes, a PUC-SP vivia sob uma
ditadura feroz, que servia ao capital, hoje vivemos num Estado de direito
democrático, também a serviço do capital. Os interesses de uma única classe são
legitimados, inclusive no caso da educação.
-
AI-5: Em 1969, o Ato
Institucional nº 5 foi decretado, suspendendo os direitos constitucionais e
concentrando os poderes na Presidência da República, culminando no fechamento
do Congresso Nacional. Logo após o decreto, inúmeros professores de
universidades públicas foram aposentados compulsoriamente pelo governo
civil-militar vigente. A PUC-SP abrigou vários acadêmicos perseguidos pela
ditadura: Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Maurício Tragtenberg, Paulo
Freire, José Arthur Gianotti, Bento Prado Júnior e Paul Singer. Além de abrigar
esses intelectuais, a Universidade deu liberdade total para que eles dessem
suas aulas, sem censuras como o regime previa.
- A invasão da PM: Em 22 de setembro de 1977, a Universidade foi palco da reunião de
retomada da UNE, que havia sido proibida pelos militares. Por volta das 21h, a
PM invadiu a PUC-SP, que abrigava também diversos alunos/as de outras
universidades e levou presos/as cerca de 900 estudantes. A então reitora Nadir
Kfouri, foi até os portões da PUC-SP discutir com o Coronel Erasmo Dias,
secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo na época, se colocando
contra a repressão. Quando o Coronel tentou cumprimentá-la, a reitora se virou
respondendo: ‘’Não dou a mão a assassinos’’. A invasão deixou 25 estudantes
feridos/as e três com fortes queimaduras.
Esse episódio marcou muito
a Universidade; todos os anos seguintes, os/as alunos/as promoviam a chamada
‘’desinvasão’’, que sete anos depois da repressão da PM foi feita de forma
muito divertida: a PUC-SP foi ‘’invadida culturalmente’’ por quatro galinhas,
três elefantes, um jipe, palhaços, estudantes fantasiados/as e até banda.
E a memória ainda resiste,
ao passar pelos portões da entrada da PUC-SP pela Rua Monte Alegre, pode-se ver
uma pedra embaixo de uma árvore em homenagem a 22 de agosto. Não como
saudosismo, mas como lembrança, como aviso: a memória ainda vive.
Na gestão da reitora Maura Veras, 30
anos depois do episódio de 77, o oposto foi feito: a própria administração
chamou a PM para invadir a Universidade. Estudantes ocuparam a reitoria para
exigir a qualidade de ensino que a PUC-SP teve no mandato de Nadir e foram
reprimidos. É assustador como no Estado de direito democrático a repressão foi mais
bem aceita dentro da PUC-SP, do que na época do regime civil-militar.
- Incêndio do TUCA: Exatamente sete anos depois da invasão
da PM, o Teatro da Universidade Católica de São Paulo (TUCA) foi incendiado
pela primeira vez: o espaço estava sendo preparado para receber um espetáculo,
quando chamas atrás do palco foram vistas. Esse templo de resistência, que
durante a ditadura recebeu inúmeras apresentações de cunho político e de luta
anti-regime, segundo o laudo da perícia, pegou fogo devido a um fenômeno
termoelétrico. Mas as datas iguais não são mera coincidência, ao que tudo
indica foi um atentado.
Em 13 de dezembro do
mesmo ano, houve um segundo incêndio, mas desta vez o fogo foi ateado em uma
bandeira. O TUCA foi fechado e só reabriu quatro anos mais tarde, a partir de
recursos obtidos. Porém, só em 2003 o teatro foi completamente restaurado.
O TUCA continua sendo um templo de
resistência, no último dia 18, foi realizado no espaço o “Tribunal Tiradentes
III – Julgamento da Lei de Anistia: justiça para os crimes da ditadura”, a fim
de resgatar a memória e exigir providências. Em 1983, foi realizado o Tribunal
Tiradentes, no Teatro Municipal, que demarcou a condenação da Lei de Segurança
Nacional, marco na redemocratização do país. No ano seguinte, aconteceu o
segundo Tribunal Tiradentes, que julgou o Colégio Eleitoral.
-Eleição de 1980: Quase quatro anos antes de o Brasil ter eleições diretas para presidente,
a PUC-SP já havia escolhido, através de eleições paritárias, uma mulher para o
cargo de reitora. Foi o segundo mandato de Nadir Kfouri, que havia sido
convidada para assumir o posto em 1976, por Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo
de São Paulo na época. A primeira reitora de uma Pontifícia e a primeira a ser
eleita através de eleições diretas ficou no cargo por oito anos, estes
considerados os melhores da Universidade, em termos de administração. Conhecida
por ter sido defensora da democracia e por ter sido muito dialogável com a
comunidade puquiana, Nadir é a última reitora que é lembrada com saudade. Foi
em seu mandato, em 83, que foi feita uma Constituinte interna, a fim de regular
de fato a democracia na PUC-SP.
- Demissões em massa: Em 2005, cerca de mil professores/as e funcionários/as foram demitidos
da PUC-SP, com a justificativa de cortes de gastos. Para redução de cargos e
salários, foi feito um redesenho institucional com mera razão instrumental,
traço de um modelo privatista de universidade. ‘’O desemprego estrutural é
essencial ao capital, o ciclo da desigualdade é intrínseco’’, explica Bia.
Desde o episódio das demissões, a
Fundação São Paulo (Fundasp), mantenedora da Universidade, intervém nas
questões administrativas da PUC-SP, quebrando a autonomia da instituição.
Para Bia, faltou mobilização por parte dos/as professores/as, só os/as alunos/as
que agiram diante do absurdo e mesmo assim nada foi conquistado.
- O golpe de 2012: Desde a época de Nadir, as eleições para o cargo de reitor(a) da PUC-SP
eram feitas de forma democrática e paritária, porém, há dois anos, Dirceu de
Mello, que foi reeleito pela comunidade puquiana, não assumiu o cargo. Odilo
Scherer, o grão-chanceler da instituição e cardeal arcebispo de São Paulo,
passou por cima de toda a história de democracia e de resistência ao governo
civil-militar da Universidade e nomeou a terceira colocada nas eleições: Anna
Cintra.
Grande parte dos/as alunos/as e até
alguns/algumas professores/as ficaram em greve por cerca de um mês, por não
legitimarem as eleições. ‘’Não conseguimos brecar a reitora imposta, porque em
2005 não fizemos a greve que deveríamos ter feito para impedir as demissões. Se
tivéssemos nos articulado, a realidade seria outra. Mas, em contrapartida,
muitos/as professores não se mobilizaram pelo estraçalhamento do ensino, mas
saíram pela questão democrática, isso nos surpreendeu’’, conclui Bia.
A reitoria imposta não dialoga com os
órgãos de representação, impõe atos como se fossem decretos, intensifica o
processo de diferenciação salarial, aumenta as mensalidades com ajustes
abusivos. Cerca de 30 anos depois do fim da ditadura, a PUC-SP se encontra no
período mais dissociado da democracia: o Conselho Administrativo (CONSAD),
órgão máximo da instituição, está nas mãos da Fundasp e de uma reitora
ilegítima.
Passados 50 anos do golpe
civil-militar, ainda sentimos os reflexos desse período, que em sua grande parte
permitiram que um novo golpe fosse dado em 2012. E mais uma vez enfrentamos
legados de um mandato ilegítimo e antidemocrático. Porém, pudemos ver a PUC-SP
lutar novamente e mostrar as heranças da ditadura que fizeram e fazem essa
Universidade ser grandiosa: nossa firmeza ideológica, política e
revolucionária. Isso ninguém tira de nós, nem Erasmo Dias, nem Dom Odilo
Scherer, nem Anna Cintra. A ‘’República Utópica da Monte Alegre’’ vive!
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