A menina acordou cedo, era o
grande dia de sua vida e ela o temia. As malas já estavam quase prontas,
faltavam a escova de dentes e alguns livros. Ela quis enrolar, tomou café
lentamente e hesitava em tirar o pijama. Deixou-se à mercê dos sentidos,
exprimia algo diferente de tudo aquilo que já havia sentido. Via sua casa com
um carinho incomparável, olhava as pessoas à sua volta com ternura e aquelas
malas agora já fechadas a assombravam. Olhou o relógio, em meia hora seu ônibus
sairia. Aprontou-se numa velocidade duvidosa, tentava ser rápida para não
chegar atrasada e lenta para perder o ônibus. Sentia-se exaustivamente dividida.
Por fim sua mãe disse para irem logo e ela teve coragem de colocar as malas no
carro. Seu pai ligou e ficou torturando-a com palavras de carinho e sermões de
preocupação. Que viagem desesperadora de casa até a rodoviária... E logo
chegou. Comprou a passagem e foi colocar as malas no ônibus. Chegara a hora.
Sua irmã perguntou o que faziam ali e dizer a ela que iria viajar havia sido difícil.
Pegou a pequena no colo e encheu-a de beijos -que saudade já sentia de tê-la
todas as tardes por perto. O motorista disse pra se apressarem e a menina teve
que se despedir de sua mãe. Não deu um abraço muito longo porque despedidas
eram horríveis. Disse um breve ‘’Ligo quando chegar’’ e já se virou para entrar
no ônibus. Achou sua poltrona, se sentou e atreveu-se a olhar pela janela. Lá
estavam as duas abanando as mãos. A pequena se divertia nessa situação
irradiando aquela típica luz que era só dela, e a menina não se aguentou mais e
caiu no choro. Soluçava e abanava a mão. Sua mãe se virou de costas e tentou se
segurar, mas quando tornou olhar a menina dentro do ônibus começou a chorar e a
pequena agora não entedia o que estava acontecendo. A menina só desejava pular
aquela janela e ficar ali, com as duas pra sempre. Mas o ônibus já estava quase
saindo da rodoviária. Sua mãe reuniu as poucas forças que aparentemente ainda
restavam pra dizer ‘’Eu te amo, muito!’’ e a menina só conseguiu se apertar
contra a janela o mais forte que pode e chorar com o nariz encostado ali. Por
minutos ela chorou de desespero, que aperto no peito... Até que caiu no sono. Acordou com um
solavanco, o ônibus havia parado. Ela desceu, foi até o banheiro lavar o rosto
e decidiu que era tempo de crescer, ela iria pra grande cidade sozinha e
aguentaria firme a saudade, a solidão, o desespero e a incerteza. Ela veria
luz, gente, cultura, música, liberdade, alegria. E se lembraria desse dia com
felicidade, aquele momento na rodoviária fora um dos mais fortes que ela já
tivera. O olhar triste de sua mãe sobre ela e o desespero da menina por
abandonar a família mostravam como as duas haviam crescido como mãe e filha,
elas tinham superado todas aquelas barreiras que sempre existiram entre as duas,
de repente o passado não tinha mais importância nenhuma, todo aquele sentimento
estampava só amor, cuidado, saudade e ela nunca se sentira tão amada como
naqueles instantes em que havia tanta transparência. E o melhor de tudo era
saber que antigas vontades que tinha quando pequena -a de sumir e nunca mais
voltar, de não se agarrar a nada, de não depender de ninguém- eram só tolices
agora, ela ansiava por voltar. Ela finalmente amadurecera e agora sabia que
tudo o que já doeu não deveria ser esquecido, ela se tornara o que é justamente
pelo que passou, mas o que doeu só tinha que ser uma história que acabou e que
dali em diante as linhas traçadas deveriam ser outras. Ela mudara e sua vida
mudaria também.
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